Suas mãos coçavam com a vontade de segurar aqueles livros. Precisava ler todos. Desejava possuí-los. Gastava o dinheiro que lhe faria falta. Preferia ficar sem comer a ter que abrir mão do seu vício.
O corpo inteiro tremia de excitação só de imaginar qual seria a sensação de tê-los na sua estante. Não gostava de organizá-los em ordem alfabética, cores, tamanhos, gêneros – nada disso, gostava de como eles contrastavam e ao mesmo tempo ficavam tão bem juntos. Sentia-se realizado ao observá-los.
Livros. Adorava livros. Modernos, antigos, usados, novos, pequenos, grandes, densos, literários, técnicos. Havia algo mágico neles que o fazia sentir tanta vontade de continuar lendo e lendo, como quando você está comendo um prato tão gostoso que não consegue parar até que não reste nada e quando termina a refeição, gostaria de mais e mais. Antes mesmo de terminar uma leitura, já estava de olho em outro livro. Nostalgia e alívio se misturavam dentro dele e quando segurava sua próxima vítima, era possível ouvir o seu coração batendo com força, um sorriso cheio de vida se formando no rosto e o processo recomeçava. Tudo igual e tudo diferente.
A sensação era única demais para conseguir descrever com clareza. Nem mesmo suas companheiras letras podiam ajudá-lo. Era como nascer, viver, viajar, experimentar, conhecer, morrer, diversas vezes, em um loop infinito.
Sua apreciação era tanta que desejava aprender a dar a vida para as suas próprias histórias e vê-las de mãos em mãos, línguas, ouvidos, olhos, cabeças. Não via sentido em uma existência sem aquele objeto tão venerado e não entendia como as outras pessoas não eram loucas por livros, como ele. Se pudesse, ficaria lendo sem parar, não pararia para comer, dormir, tomar banho, escovar os dentes. Sua obsessão não tinha limites. Algum dia enlouqueceria de tanto ler, era o que costumavam dizer, como uma previsão tão óbvia quanto dizer que ele morreria um dia.
A fonte de loucura também era onde encontrava sanidade, equilíbrio, paz. Dentro da livraria ele recomeçava sua caçada. Por mais que sua vontade fosse a de levar todos os livros para casa e se deliciar com cada uma daquelas histórias, faltava-lhe tempo, saúde e dinheiro para isto. A cada dia que passava sua vontade aumentava e a dor também. Gostaria de viver dentro daquelas páginas para sempre.
Quando completou 96 anos, suas vontades foram atendidas. Deitou-se em uma caixa enorme, cercado pelos seus livros favoritos. Soterrado pelas narrativas, ele mal conseguia respirar com tantas palavras. Fechou os olhos. Tornou-se uma página de um livro que nunca teria a chance de ler.
*Ben Oliveira
A Velhinha de Florença – Clássico (Cecília Meireles)
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Por que me lembraria agora daquela velhinha de Florença? Há sentimentos
antigos, dentro de nós, que não perdem a sua força, que não se deixam
aniquilar pel...
3 comentários:
Sensacional seu texto Ben. Escrevi um conto com uma ideia parecida sobre obsessão por alguma coisa. O nome é Cheiro de Capim Cortado. Acho que no fim das contas o que acontece com aqueles que são obcecados por algo é mais ou menos parecido. Conto com um fim espetacular. Comprou minha atenção.
Olá, Mogg! Fico muito feliz que tenha gostado do texto.
Fiquei curioso para saber o que se passa no seu conto, o título é bem chamativo.
Abraços
Estarei postando em breve aqui, Ben. Mas ele faz parte de uma antologia de contos que estou preparando. Fala da obsessão de um homem pelo cheiro de capim cortado.
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