Como é possível chegar à vida propriamente se os
entulhos dificultam enormemente a passagem e as mediações são como
pregas coladas ao corpo, que nem permitem a brisa embalar com seu
frescor?
Parece que temos uma enorme responsabilidade que nos
penetra em todos os poros , fazendo com que tenhamos que planejar tudo ,
desdobramento inevitável para um acerto de medidas, ou seja, é
preciso com precisão, colocar tudo na régua, perguntar com insistência
se cabe, o quanto cabe ou não, enfim, uma mesura que regula os passos, evitando os buracos que carregamos a todo tempo.
O temor a cair
tem passado tão discretamente como tema clínico, que sua única
manifestação sólida tem sido a depressão, lugar difícil, por excesso
de seriedade, onde a vida fica amuada, triste, emudecida, e onde o
sol fica tênue a olhos vistos.
Mas o que a vida tem de tão séria ? O
que nos assusta tanto que contrapomos com a seriedade , como se por ela
tivéssemos melhor capacitados ao imprevisível?
Nem sabemos
responder bem isso, pois se há aí valores há também perspectivas, como
Nietzsche aponta em sua genealogia , perspectivas sustentam valores e
vice-versa , que funcionam como doutrinas da “ Verdade “ , com a
incumbência de nos dizer como “ a vida deve ser “.
É impossível a
partir daí não surgir um tipo de legislação que visam ao que o homem tem
de mais perigoso e cruel , velhos debates a respeito da natureza humana
, e que insistem em dizer que sem a cerca que delimita tudo é inviável.
E aposta-se nisso por conta de uma moral , tema polêmico para
modernidade , na forma de uma regulação das ações , já que não é
possível pelas intenções , ou seja , desconfia-se do que não se vê , mas
que comparece por seus efeitos.
Há suspeita , todo homem até
prova em contrário é suspeito , e mesmo não sabendo do que o acusamos ,
não nos esquecemos que o homem é perigoso pelo que é capaz . Nessa
projeção coletiva e sombria todo mundo está arrolado e não nos convém
abrir a guarda , ao risco, que vai do crime à decepção.
É óbvio,
que a incidência disso na economia do convívio não se faz por esperar ,e
logo , a desconfiança é o lugar de plantão , aprimoramento dos
critérios de avaliação onde cada vez mais menos passam , e o sentimento
de solidão fará chorar pelo tédio, pelo excesso de apego ao que
restringe.
Em um mundo que tomou gosto pelo aberto , todos os
fechamentos parecem sem sentido , e ao colocar em risco às premissas de
uma segurança herdeira da abolição do nomadismo , outra coisa não fez
senão fincar e defender , principalmente os seus, com seus devidos
monopólios .
Ora , se viver é defender e desconfiar , a doença
coletiva será a seriedade , tida aqui como símbolo de eficiência perante
os perigos da vida e do convívio , cuja imagem recoloca o inimigo
constantemente na linha de frente pronto a subtrair ou acusar.
Se a
vida é uma ato de dominação como dizem alguns , então , nos aparelhemos
, já que a pergunta central insone é “ quem vem lá ?... denotando que a
aproximação pode trazer em modos ocultos o inimigo camuflado , que será
a causa dos estragos irreparáveis , fracasso que será colocado na conta
da confiança ,e senha para mais desconfianças ferrenhas.
Com um
quadro desse cada vez mais próximo da paranóia coletiva, a vida eleva
seu limiar de tensões e enrijece as mandíbulas e torna os rostos armados
pela falta de sorrisos e simpatias , que são sinais aproximativos
importantes para quem espera ser bem recebido.
Histerias e
sonoridades avulsas desfazem o elo de atenção necessária ao contato ,
esse lugar onde os bons encontros a que se refere Spinoza , esses que
expandem a vida e trazem alegria, se cultivam como prazer de se estar
juntos , uma boa risada , uma bela gargalhada , enfim, uma prazer –filia
pelo outro existir e nos compartilhar.
É dessa forma que se
estamos numa arena permanente , tudo nos exige o plantão , a sentinela
tensa, fábrica de inimigos onipresentes, que não permitem esquecimentos ,
lástima comum no campo do amor , onde a decepção já não é mais uma das
opções possíveis numa experiência tão complexa , mas um erro de cálculo ,
tipo “ como deixei isso acontecer “ , por muitas vezes corroborada por
analistas também paranóicos , que se dedicam a tarefa de buscar onde a
repetição burlou a cerca eletrocutada da segurança.
Sem esse dispor
para as opções possíveis como viver no recalque da imprevisibilidade ?
Como aproveitar à diferença a favor de novas aquisições expansivas ?
Como podemos ir sem deixar ?
Não por acaso a vida já não tem sido
vista como um laboratório para alegria dos possíveis , para os ganhos
diferenciais ou mesmo para consagração do movimento, enquanto um
devir-fora , um gosto inquietante de quem se dispõe a experimentar , mas
um falseamento de raízes que não fincam e nem reconhecem o que lhe
antecede , um tipo de suspensão onde a ansiedade traduz a agonia de
antecipar o que ainda não aconteceu.
O que é divertir ? É
des-proibir o diverso como invasor , é a surpresa do atalho
não-combinado, é receber na sala mesmo o inusitado , o que entra sem
pedir licença , é a rendição de uma virilidade que mais defende do que
fertiliza , enfim , é esvaziar o excesso da seriedade, bem ali onde a
série entedia pela previsibilidade.
Tudo precisa ser chancelado
pela seriedade como signo de competência e utilidade , embora convenha
não esquecer, que a seriedade hoje, é apreciada dentro de uma lógica de
resultados, tudo é sério porque tempo é dinheiro e/ou poder , tabús da
pós-modernidade , plantão dos ganhos e sequestro do prazer de contemplar
, palavra escassa e ociosa demais , onde tudo é negócio.
Guardemos
o melhor para o fim de semana ,e autorizemos a Lacan nos dizer “ só os
neuróticos vivem do fim de semana “ , tempo condensado para todas
fantasias de liberdade , que em geral , se traduz por encontros nada
subversivos e diluídos nos goles que a boca encharca como território de
liberdade e como memória para os dias vindouros até o próximo fim de
semana , que é sempre fim nunca começo de nada.
Rir é tudo , afora
os momentos dolorosos que o grosso da vida baixa como peso tirano a nos
derrubar , é rindo que se recebe , é sorrindo que se é perdoado e é
sorrindo que se vive a eterna despedida do que já não sorri em nós ,
senha de atração para precocidade do defunto que nos aguarda.
A Velhinha de Florença – Clássico (Cecília Meireles)
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Por que me lembraria agora daquela velhinha de Florença? Há sentimentos
antigos, dentro de nós, que não perdem a sua força, que não se deixam
aniquilar pel...
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