sábado, 18 de outubro de 2014

A vida é séria?

sábado, 18 de outubro de 2014
Como é possível chegar à vida propriamente se os entulhos dificultam enormemente a passagem e as mediações são como pregas coladas ao corpo, que nem permitem a brisa embalar com seu frescor?

Parece que temos uma enorme responsabilidade que nos penetra em todos os poros , fazendo com que tenhamos que planejar tudo , desdobramento inevitável para um acerto de medidas, ou seja, é preciso com precisão, colocar tudo na régua, perguntar com insistência se cabe, o quanto cabe ou não, enfim, uma mesura que regula os passos, evitando os buracos que carregamos a todo tempo.

O temor a cair tem passado tão discretamente como tema clínico, que sua única manifestação sólida tem sido a depressão, lugar difícil, por excesso de seriedade, onde a vida fica amuada, triste, emudecida, e onde o sol fica tênue a olhos vistos.

Mas o que a vida tem de tão séria ? O que nos assusta tanto que contrapomos com a seriedade , como se por ela tivéssemos melhor capacitados ao imprevisível?

Nem sabemos responder bem isso, pois se há aí valores há também perspectivas, como Nietzsche aponta em sua genealogia , perspectivas sustentam valores e vice-versa , que funcionam como doutrinas da “ Verdade “ , com a incumbência de nos dizer como “ a vida deve ser “.

É impossível a partir daí não surgir um tipo de legislação que visam ao que o homem tem de mais perigoso e cruel , velhos debates a respeito da natureza humana , e que insistem em dizer que sem a cerca que delimita tudo é inviável.

E aposta-se nisso por conta de uma moral , tema polêmico para modernidade , na forma de uma regulação das ações , já que não é possível pelas intenções , ou seja , desconfia-se do que não se vê , mas que comparece por seus efeitos.

Há suspeita , todo homem até prova em contrário é suspeito , e mesmo não sabendo do que o acusamos , não nos esquecemos que o homem é perigoso pelo que é capaz . Nessa projeção coletiva e sombria todo mundo está arrolado e não nos convém abrir a guarda , ao risco, que vai do crime à decepção.

É óbvio, que a incidência disso na economia do convívio não se faz por esperar ,e logo , a desconfiança é o lugar de plantão , aprimoramento dos critérios de avaliação onde cada vez mais menos passam , e o sentimento de solidão fará chorar pelo tédio, pelo excesso de apego ao que restringe.

Em um mundo que tomou gosto pelo aberto , todos os fechamentos parecem sem sentido , e ao colocar em risco às premissas de uma segurança herdeira da abolição do nomadismo , outra coisa não fez senão fincar e defender , principalmente os seus, com seus devidos monopólios .
Ora , se viver é defender e desconfiar , a doença coletiva será a seriedade , tida aqui como símbolo de eficiência perante os perigos da vida e do convívio , cuja imagem recoloca o inimigo constantemente na linha de frente pronto a subtrair ou acusar.

Se a vida é uma ato de dominação como dizem alguns , então , nos aparelhemos , já que a pergunta central insone é “ quem vem lá ?... denotando que a aproximação pode trazer em modos ocultos o inimigo camuflado , que será a causa dos estragos irreparáveis , fracasso que será colocado na conta da confiança ,e senha para mais desconfianças ferrenhas.

Com um quadro desse cada vez mais próximo da paranóia coletiva, a vida eleva seu limiar de tensões e enrijece as mandíbulas e torna os rostos armados pela falta de sorrisos e simpatias , que são sinais aproximativos importantes para quem espera ser bem recebido.

Histerias e sonoridades avulsas desfazem o elo de atenção necessária ao contato , esse lugar onde os bons encontros a que se refere Spinoza , esses que expandem a vida e trazem alegria, se cultivam como prazer de se estar juntos , uma boa risada , uma bela gargalhada , enfim, uma prazer –filia pelo outro existir e nos compartilhar.

É dessa forma que se estamos numa arena permanente , tudo nos exige o plantão , a sentinela tensa, fábrica de inimigos onipresentes, que não permitem esquecimentos , lástima comum no campo do amor , onde a decepção já não é mais uma das opções possíveis numa experiência tão complexa , mas um erro de cálculo , tipo “ como deixei isso acontecer “ , por muitas vezes corroborada por analistas também paranóicos , que se dedicam a tarefa de buscar onde a repetição burlou a cerca eletrocutada da segurança.

Sem esse dispor para as opções possíveis como viver no recalque da imprevisibilidade ? Como aproveitar à diferença a favor de novas aquisições expansivas ? Como podemos ir sem deixar ?
Não por acaso a vida já não tem sido vista como um laboratório para alegria dos possíveis , para os ganhos diferenciais ou mesmo para consagração do movimento, enquanto um devir-fora , um gosto inquietante de quem se dispõe a experimentar , mas um falseamento de raízes que não fincam e nem reconhecem o que lhe antecede , um tipo de suspensão onde a ansiedade traduz a agonia de antecipar o que ainda não aconteceu.

O que é divertir ? É des-proibir o diverso como invasor , é a surpresa do atalho não-combinado, é receber na sala mesmo o inusitado , o que entra sem pedir licença , é a rendição de uma virilidade que mais defende do que fertiliza , enfim , é esvaziar o excesso da seriedade, bem ali onde a série entedia pela previsibilidade.

Tudo precisa ser chancelado pela seriedade como signo de competência e utilidade , embora convenha não esquecer, que a seriedade hoje, é apreciada dentro de uma lógica de resultados, tudo é sério porque tempo é dinheiro e/ou poder , tabús da pós-modernidade , plantão dos ganhos e sequestro do prazer de contemplar , palavra escassa e ociosa demais , onde tudo é negócio.

Guardemos o melhor para o fim de semana ,e autorizemos a Lacan nos dizer “ só os neuróticos vivem do fim de semana “ , tempo condensado para todas fantasias de liberdade , que em geral , se traduz por encontros nada subversivos e diluídos nos goles que a boca encharca como território de liberdade e como memória para os dias vindouros até o próximo fim de semana , que é sempre fim nunca começo de nada.

Rir é tudo , afora os momentos dolorosos que o grosso da vida baixa como peso tirano a nos derrubar , é rindo que se recebe , é sorrindo que se é perdoado e é sorrindo que se vive a eterna despedida do que já não sorri em nós , senha de atração para precocidade do defunto que nos aguarda.

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